Esqueçamos por uns momentos que o distanciamento social é uma das medidas essenciais para quebrar cadeias de transmissão, travar a disseminação do vírus e com isto ajudar a diminuir o número de infetados, de doentes com complicações e sequelas, em última análise, de mortes, o que é um assim para um grande pró.
Tenham também em conta que regressei há pouco tempo ao escritório e que trabalho num open space com cerca de 50 pessoas, o que também pode ter afetado um bocadinho a minha reflexão.
A verdade é que o povo português é um povo afável, de toque, de contacto, de proximidade.
Venham aqui para os meus lados, para o Norte, e multipliquem o que acabei de afirmar por 10.
De um dia para o outro, o afastamento físico salva vidas (vá lá que não encontraram correlação entre a transmissão do vírus e os palavrões, valha isso aos nortenhos).
Tem que se lhe diga, isto do afastamento social.
É, naturalmente, uma adaptação. Sem a pancadinha nas costas a felicitar, a palmada no braço de desaprovação, o toque de incentivo no ombro, a brincadeira de bater nas costas quando alguém tosse ou se engasga, o passar ligeiro da mão no braço a demonstrar afeto, a cotovelada para chamar a atenção, e todos os gestos que quase involuntária e inconscientemente fazíamos como forma de expressão, passamos a ter que usar muito mais as palavras.
Deixamos de nos cumprimentar com dois beijinhos de cada vez que nos vimos, o que considero um dos grandes avanços sociais que a pandemia nos trouxe. Malta, há quanto tempo vos digo que dar dois beijinhos, às vezes mais do que uma vez ao dia, é só desnecessário e pouco higiénico? Estão a ver, a DGS concorda. Claro que costumo argumentar que um pequeno abraço é uma forma de cumprimento de alguém de quem gostamos muito melhor, e essa opção ficou também arredada.
Cultivemos o pequeno aceno com a cabeça, de longe a minha forma favorita de cumprimento em distanciamento social, com todas as suas variações e nuances. Viemos a descobrir que um aceno de cabeça também pode demonstrar desprezo, indiferença, alegria, carinho, solidariedade, uma semi vénia de admiração, ou até, para os mais arrojados, algum flirt.
A falta de abraços é, efetivamente, uma perda. Afinal, quem é que, como o Olaf, não gosta de um abraço caloroso de vez em quando? Especialmente daqueles com quem já não estamos há mais tempo, e que, efetivamente, nos fazem falta.
Tentemos ver o lado positivo. Os cheiros deixam de ser um problema. A pelo menos um metro e meio de distância fica bem mais difícil cheirar aquele hálito depois de almoço, aquele perfume nauseabundo (que bom, poder sentir o nosso próprio perfume!), aquele suor de quem acabou de correr uma maratona apesar de não ter saído da cadeira.
Surge, contudo, um outro problema. O distanciamento social é péssimo para os segredos. Como é que é suposto cochichar a, pelo menos, um metro e meio de distância? Senti que este ponto é particularmente impactante, especialmente em open spaces e copas com mais pessoas. Não há sussurro que suporte tal distância. Das duas uma, ou nos tornamos mestres em ler lábios, ou efetivamente vamos ter de abdicar de bastante coscuvilhice.
O distanciamento veio ainda complicar as reprimendas. Sabem aquela chamada de atenção discreta, aquela crítica sem maldade, o avisar do erro para que a pessoa vá corrigir antes dos restantes darem conta? Pois… Tal como os segredos, o mais provável é que os restantes oiçam. Vá lá que vivemos na maravilhosa era dos emails e telefones, e o distanciamento trouxe o pró de não se ter de falar sempre presencialmente, não nos termos de deslocar a cada assunto (ainda que não tenha evitado as reuniões de equipa presenciais) e ajudou a redescobrir e apreciar todos os meios digitais.
Quem me conhece sabe que, apesar de adorar abraços e mimos dos que me são mais queridos, aprecio bastante a minha bolha social. O dito personal space, que ganha todo um outro significado nesta época. Tenho apreciado bastante almoçar em distanciamento social, com uma mesa só para mim, muito mais silenciosamente, sem tanta pressão para socializar entre garfadas, e muito maior respeito e civismo ao usar o micro-ondas, aceder ao frigorifico, escolher mesa, movimentar entre os espaços. O maior silêncio (dentro dos limites de um open space) é definitivamente um pró. É que nós, nortenhos, somos espalhafatosos, é um facto, pelo que se poderia pensar que o barulho iria aumentar ao subir o volume para contrabalançar a distância. Sucede que, como já vimos, o distanciamento é péssimo para a bisbilhotice.
Certo é que, nestes dias de regresso físico ao escritório, já me agarraram a mão, ajeitaram a echarpe, afagaram o braço, e se debruçaram para um pequeno mexerico.
Outro contra a apontar é que fica um pouco difícil esconder a reação quando nos quebram a nossa, agora clinicamente recomendável, bolha social. As expressões variam entre um misto de surpresa, nojo, culpa, arrependimento, pânico, o (dentro do possível) discreto passo atrás e a súbita vontade de tomar banho com desinfetante.
Enfim, como vos disse, uma adaptação!
Sinto que alguns comportamentos se modificaram, atualizaram, alguns de forma mais permanente, outros ainda tomados de forma deliberada e consciente. Sinto também, todavia, que na esmagadora maioria dos nortenhos continua a residir uma espécie de Olaf que, no dia em que finalmente receber a vacina, vai correr para a rua (e para o escritório) para dar dois beijinhos, um abraço, uma pancadinha nas costas, uma palmada no braço, um toque no ombro, bater nas costas, afagar o braço, dar uma cotovela.
E vocês, que têm a dizer sobre a vossa experiência com o distanciamento social?
R.